Ascensão e Queda do PT
Nildo Viana
A evolução do PT
mostrou o que já havia acontecido na social-democracia europeia e em todos os
países do mundo. Os partidos, supostamente “operários” ou “social-democratas”, são,
no fundo, organizações burocráticas que criam interesses próprios (1). Eles
começam como pequenas burocracias e discurso mais radical e tão logo a máquina
partidária vai crescendo, os mais radicais vão saindo, ou sendo expulsos (2), novos
membros, geralmente oportunistas querendo entrar para a política institucional,
vão entrando. As vitórias eleitorais significam mais cargos, mais interesses,
menos radicalidade. O PT foi crescendo e se tornando cada vez mais conservador.
Esse processo foi se aprofundando com o passar dos anos e eleições, até chegar
ao momento de ascensão ao poder, as eleições de 2002. Foi nesse ano que o PT
resolveu ganhar as eleições a qualquer custo e, obviamente, todos sabiam que o
custo seria moderar mais ainda o discurso, buscar apoio de setores do capital e
conquistar a confiança abandonando qualquer resquício de posição política à
esquerda. O PT fez tudo para tranquilizar o capital nacional e internacional e
conseguir o apoio necessário. O tradicional vice-presidente do PC do B (Partido
Comunista do Brasil) foi substituído por José Alencar, do PL – Partido Liberal,
um capitalista do setor têxtil. A aliança partidária passou a ser mais variada
e com setores mais conservadores. E cabe destaque, no conjunto de alianças
estabelecidas, a realizada com a Rede Globo (3), s
ua antiga inimiga e uma das
responsáveis por sua derrota em 1989. Uma nova imagem do PT e dos seus integrantes vai sendo formado, visando ganhar a
confiança da classe dominante e do bloco dominante, conquistando apoio até do
capital comunicacional, estratégico para a vitória eleitoral. Quem vende a alma
recebe o que quer, mas fica em dívida com o comprador. O PT, tal como afirma Lula, não queria esperar 30 anos para chegar ao poder (4). O apoio de Sarney e, posteriormente, de Maluf e outros mostravam que a burguesia poderia confiar tranquilamente em Lula. A estratégia do PT era se incluir no bloco dominante, pois somente assim teria chances eleitorais reais.
O Governo Lula assume uma posição neoliberal,
tal como exigida pelas necessidades do capital, com feição populista, tal como
seus programas sociais, inicialmente o Fome Zero e os posteriores. O
neoliberalismo neopopulista, que tinha alguns pilares, como garantir a
estabilidade financeira e política (a política financeira seguiu esse
caminho), cortar gastos, entre outros, foi seguida ao lado de alguns gastos
sociais, mínimos, nas políticas voltadas para o lumpemproletariado (no sentido
amplo do termo, incluindo todos que estão no desemprego e subemprego), ao lado
de políticas sociais paliativas e políticas segmentares (visando certos
segmentos sociais, embora somente atingisse os seus estratos superiores, como
negros, mulheres, etc.), cooptação de movimentos sociais, aumento relativo do consumo, manipulação
das estatísticas (que apontavam diminuição da pobreza, aumento da “classe média”,
etc.). Nesse contexto, mantendo o apoio do capital comunicacional e com a acumulação
de capital em ascensão, tais políticas conseguiram um amplo apoio. Os setores
mais radicais do PT e da sociedade não conseguiam maior espaço e a maioria
acreditava no discurso evolucionista de que os passos seguintes apontariam para
reformas mais profundas. Nesse momento, nem o discurso social-democrata e suas
reformas estruturais apareciam mais. O PT se tornou ainda mais conservador e se
tornou governo, estando alegremente ao lado de Sarney, Collor e Maluf, grande
parte do capital, especialmente o comunicacional, com destaque para as
Organizações Globo. As chamadas conquistas do Governo Lula foram possível por
ser um período de estabilização da acumulação de capital, que só se estabiliza
com a reprodução ampliada do capital, o chamado “crescimento econômico” e
qualquer governo no lugar realizaria o mesmo, no que se refere ao consumo, a
diferença seria que nem todos fariam a política neopopulista de cooptação e
políticas segmentares.
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Apesar de alguns percalços, o Governo Lula conseguiu, nesse período, manter o governo e a estabilidade e ainda garantir um terceiro mandato para o seu partido, através de Dilma Roussef. O Governo Dilma não teve a mesma sorte, apesar de no início não ter encontrado grandes problemas, até que um novo contexto emergiu. Por um lado, a crise financeira de 2008 e os primeiros momentos de desestabilização do regime de acumulação integral (5), começam a se fazer sentir alguns anos depois no Brasil, bem como graças à dinâmica interna do capitalismo brasileiro. O desgaste do Governo Dilma ocorreu de forma mais visível a partir das manifestações de 2013, que começou com as manifestações estudantis de maio, que se transformaram em manifestações populares em junho. O Governo Dilma prometeu muito para arrefecer os ânimos dos manifestantes, mas tão logo elas diminuíram, tudo voltou a ser como antes. As ações governamentais diante das pequenas manifestações posteriores contra a Copa do Mundo, marcadas por uma intensa repressão policial, mostraram uma face a mais do governo, que com isso perdeu apoio e voto em setores da juventude, dos trabalhadores e de certos grupos políticos, somando aos que já possuíam essa posição anteriormente.
Apesar de alguns percalços, o Governo Lula conseguiu, nesse período, manter o governo e a estabilidade e ainda garantir um terceiro mandato para o seu partido, através de Dilma Roussef. O Governo Dilma não teve a mesma sorte, apesar de no início não ter encontrado grandes problemas, até que um novo contexto emergiu. Por um lado, a crise financeira de 2008 e os primeiros momentos de desestabilização do regime de acumulação integral (5), começam a se fazer sentir alguns anos depois no Brasil, bem como graças à dinâmica interna do capitalismo brasileiro. O desgaste do Governo Dilma ocorreu de forma mais visível a partir das manifestações de 2013, que começou com as manifestações estudantis de maio, que se transformaram em manifestações populares em junho. O Governo Dilma prometeu muito para arrefecer os ânimos dos manifestantes, mas tão logo elas diminuíram, tudo voltou a ser como antes. As ações governamentais diante das pequenas manifestações posteriores contra a Copa do Mundo, marcadas por uma intensa repressão policial, mostraram uma face a mais do governo, que com isso perdeu apoio e voto em setores da juventude, dos trabalhadores e de certos grupos políticos, somando aos que já possuíam essa posição anteriormente.
As eleições de 2014 mostraram o
enfraquecimento de Dilma Roussef, que perdeu votos que foram para, por um lado,
os demais partidos concorrentes (e, no segundo turno, para o candidato do PSDB –
Partido da Social-Democracia Brasileira), por outro, para as abstenções, votos
nulos e brancos, que, somados, significaram quase um terço do eleitorado.
No contexto das eleições, a situação financeira do país
encontrava problemas crescentes e seriam necessárias algumas medidas
impopulares, coisa que a presidente e candidata não quis fazer. O aumento da
dívida pública e déficit primário ocorrem no primeiro semestre de 2014 (6).
Isso geraria mais problemas adiante de qualquer
forma, mas sem agir nesse momento, as consequências seriam mais fortes, o que
era previsível. Isso provocou a necessidade de medidas urgentes por parte do governo, num contexto de ano eleitoral e com
a presidente sendo candidata à reeleição (7), motivo pelo qual isso não ocorreu. Dilma encerrou seu primeiro
mandato numa situação diferente dos dois anteriores de Lula, em época de dificuldades na acumulação de
capital (“crescimento econômico”), além dos limites do governo em matéria de competência e mudança, pois em 2015 poderia ter tomado medidas para minimizar o impacto das mudanças e quase nada foi feito, em parte por questões políticas, em parte por incompetência.
A grande questão é que o PT, por suas origens, por
resquícios de discurso de “esquerda”, e por causa de seus compromissos
eleitorais (que implica em gastos e evitar determinadas ações necessárias), ao
lado de sua inércia em política financeira e resolução dos problemas que
emergiram e foram se avolumando, acabou tendo problemas em seu romance
com o capital. Já nas eleições de 2014, o capital, reforçado pelo temor das manifestações
de 2013 (e o discurso de Dilma e medo de uma adoção de políticas mais
desfavoráveis para os seus interesses), já tinha vários setores que se
deslocaram para outro apoio eleitoral, muitos com ambiguidades (alguns setores
do capital apoiaram financeiramente as duas candidaturas principais, afinal de
contas, assim ficariam do lado do governo, independente de quem ganhar). O
capital comunicacional também começa a se deslocar e a aliança PT-Globo é
desfeita.
Esse processo foi marcado por um ano de 2015 muito ruim para
o Governo Dilma e PT. A crise financeira vai paulatinamente se aprofundando e o
imobilismo do governo mostra isso. As greves aumentam e algumas manifestações começam
a ressurgir. A repressão e as ações governamentais que apontam para precarização
da educação e outros setores, gera novo descontentamento. O governo Dilma e seus aliados, a ala
governista do bloco dominante, começa a perder apoio. Setores do capital, a
maior parte do capital comunicacional, adotam posição cada vez mais contra o
governo. As denúncias de corrupção vão tomando corpo, gerando impopularidade e servindo de pretexto
para a ala oposicionista do bloco dominante atacar a ala governista. A palavra
impeachment vai sendo cada vez mais proferida. O PT e o Governo Dilma perdem
espaço e apoio progressivamente. A burocracia estatal estatutária (que é permanente)
começa a se desligar da burocracia governamental (que é provisória), o que se
pode ver pela autonomização do aparato jurídico e repressivo. O aparato
repressivo (polícia federal) e o aparato jurídico fecham o cerco e recebem apoio
maciço do capital comunicacional.
As políticas petistas não conseguiram organizar bases
permanentes de apoio. Os setores dos movimentos sociais cooptados não são uma
grande força mobilizadora, e os que já eram aparelhados pelo PT também. A parte
da intelectualidade que se alia à ala governista do bloco dominante, também não
tem grande presença intelectual e política. O exército de descontentes aumenta,
pois, por um lado, tanto o bloco revolucionário quanto grande partes das
classes desprivilegiadas, rechaçam o governo petista e, por outro, setores das
classes privilegiadas também mostram um grande descontentamento com o PT. Com
uma base de apoio tão frágil, e com a crise financeira, os setores do capital
já descontentes foram reforçados por novos setores do mesmo, bem como pelo capital comunicacional e a
burocracia estatutária. O desenrolar do processo, com a crise financeira sem grande
perspectiva de solução e os escândalos de corrupção, foram suficientes para que
o capital repensasse sua posição diante do governo Dilma. O PT entrou no seleto
grupo do bloco dominante e para isso vendeu sua alma ao capital. No entanto, não
entendeu que ele era um “convidado”, oriundo do bloco progressista, e não um sócio
permanente e que, por isso, poderia ser convidado a se retirar a qualquer
momento. Uma vez no poder, usou e abusou do mesmo, inclusive contra as classes
desprivilegiadas e bloco revolucionário, bem como aparelhou o Estado pensando pensando que isso garantiria sua permanência. Mostrou também incompetência e
inoperância, junto com sua ambição de permanecer no poder acima de tudo, e isso
gerou o seu isolamento no bloco dominante, facilitado por seu afastamento das
classes desprivilegiadas, o que foi perceptível em 2013. A "hora da estrela" passou e agora é o momento de sua queda.
Assim, os petistas de carteirinha tem certa razão
ao reclamar da Rede Globo, do aparato jurídico e repressivo e dos “exageros”.
Ele deu brechas e a ala oposicionista do bloco dominante, cada vez mais forte, as usou: via oposição parlamentar
e pedido de impeachment, via capital comunicacional, via mobilização da população e aparato repressivo e jurídico. Dessa forma, o Governo Dilma foi perdendo todo o respaldo (8).
Isso tudo explica a queda do PT, que voltar a ser
um mero partido do bloco progressista (e aí vai mudar um pouco o discurso, com
tom mais progressista e menos moderado) e sai do grupo seleto do bloco
dominante. O principal responsável por isso tudo é o próprio PT, por ter ficado
embebido com o poder e não entender a luta de classes, sem compreender também a dinâmica da acumulação de capital e por isso achar que ficaria
sempre junto com o bloco dominante. Não fez o trabalho de constituir bases mais sólidas para manter sua
força diante do capital. O Partido dos “Trabalhadores” não buscou apoio das
classes trabalhadoras, fazendo muito pouco por elas.
O atual discurso petista, sobre “golpe” é totalmente sem
sentido. O capital está fazendo o que sempre fez e foi o PT, dentro da esquerda
capitalista, o que mais insistiu na defesa da “legalidade”, do “estado de
direito”, “democracia (representativa)”. Tudo que está sendo feito é dentro
dessa legalidade, estado de direito e democracia representativa, e, portanto, o
discurso do golpe é falacioso. Esse é o processo normal na democracia
representativa e capitalismo e, portanto, essa “indignação seletiva”, para usar
linguagem petista, que se manifesta apenas quando tem seus próprios interesses
feridos, é a lógica do oportunismo. Afinal, o PT foi beneficiado por esse mesmo
esquema, o reproduziu, não fez nada contra, se beneficiou. Os governos petistas
fizeram coisas muito semelhantes (e inovaram com o aparelhamento do estado como
nunca visto antes) e nas últimas eleições, a prática petista contra seus
adversários é um adendo ao engodo eleitoral realizado. O que está sento feito
com o Governo Dilma e PT é o que sempre se fez e sempre se fará numa sociedade
capitalista.
A corrupção petista existe, não é uma invenção. Sem
dúvida, outros corruptos e muita corrupção existem nos demais partidos e a corrupção é generalizada no capitalismo (9).
O PT fez o jogo, mas agora os donos da bola não
querem mais ele no campeonato.
Vai ser expulso. Se procurarem a defesa das classes desprivilegiadas, do bloco
revolucionário, e até mesmo setores do bloco progressista, não encontrarão, a não ser no caso de alguns ingênuos que acreditam no discurso do golpe. No entanto, se o PT
continuasse no governo, os problemas continuariam. A retomada da acumulação de
capital continuaria travada por causa dos compromissos eleitorais do PT, o que
prejudicaria a classe capitalista e, por conseguinte, atingiria outras classes,
incluindo as desprivilegiadas (aumento do desemprego, etc.) e isso geraria um
aprofundamento da crise e da deterioração das condições de vida da população em
geral. O PT conseguiu criar uma situação absurda, na qual sua permanência no poder prejudicaria a todos e só beneficiaria ele mesmo.
Nesse quadro, só haveria a solução capitalista,
o que o Governo Dilma fez apenas moderadamente quando era preciso ser mais forte e radical.
Isso reforçaria o descontentamento da população e o PT não conseguiria manter
seu projeto de poder (10). Entre a solução capitalista, que o governo
Dilma não
efetivou, e a solução da continuidade indefinida da crise e agravamento da
mesma, só haveria uma outra solução, que seria uma transformação social, a instituição
de uma nova sociedade. Os iludidos pensam que a manutenção do Governo Dilma
poderia resolver isso, mas apenas iria piorar a situação e se ganhasse as
próximas eleições, teria que efetivar, sob forma drástica, políticas de
austeridade. Já está na hora de acabar com a era da ingenuidade. Assim, tanto
faz quem é o governo, e já no século 19 Marx já alertava para isso, a política
está a serviço do capital. Essa disputa toda é apenas entre, por um lado, partidos querendo se manter no poder, e, por outro, os interesses mais
determinantes do capital. O PT está isolado e não tem como reagir. Ele declarou
a sua própria derrota e voltará à sua situação anterior.
Por isso, a ilusão petista, já denunciada há muito tempo, foi perdendo força. Uma verdadeira alternativa precisa ser construída, pois
nesse jogo, as regras garantem o capital sempre como vencedor e a disputa
interna do bloco dominante é apenas para definir a política mais adequada à acumulação
do capital e quem estará no aparato estatal, usufruindo de seus privilégios, corrupção,
etc. É hora do bloco revolucionário e classes desprivilegiadas, especialmente o
proletariado, começar a agir em torno do projeto autogestionário ao invés de
reproduzir as ilusões partidárias e eleitorais.
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As Lições das Ruas (Análise das manifestações de 13 de março de 2016).
http://informecritica.blogspot.com/2016/03/as-licoes-das-ruas.html
O Governo Lula e as Ilusões Perdidas:
http://informecritica.blogspot.com.br/2015/08/o-governo-lula-ou-as-ilusoes-perdidas.html
Veja mais:
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Leia mais:
A Insustentabilidade do Governo Dilma:
A Luta de Classes no Brasil:
A Corrupção na Sociedade Brasileira:
As Lições das Ruas (Análise das manifestações de 13 de março de 2016).
http://informecritica.blogspot.com/2016/03/as-licoes-das-ruas.html
O Governo Lula e as Ilusões Perdidas:
http://informecritica.blogspot.com.br/2015/08/o-governo-lula-ou-as-ilusoes-perdidas.html
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Veja mais:
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