Texto de Formação 03:
O Mais-Valor
ANT
Associação Nacional dos Trabalhadores
Foi abordado no texto de formação 1 o modo de produção
capitalista. Foi afirmado ali que o elemento que define o modo capitalista de
produção é o processo de extração de mais-valor do proletariado. Lá definiu-se
que o mais-valor é uma forma de trabalho não-pago, ou seja, que o trabalhador
executa, mas não recebe nada em troca por ele. É possível que tal relação
exista na sociedade moderna, visto isto ferir as leis vigentes em todo Estado
democrático?
Quando se questiona
geralmente às pessoas o que elas entendem por capitalismo, as respostas que
comumente são dadas são estas: “capitalismo é lucro”, “capitalismo é dinheiro”,
“capitalismo é consumo” etc. Embora todas estas respostas estejam corretas,
estão também todas incompletas ou pelo menos formuladas de modo errado. O
lucro, o dinheiro, o consumo etc. são todos processos verificáveis na sociedade
capitalista, são parte deste modo de produção. São condições para sua
existência. Contudo, não são os elementos definidores desta sociedade. Tanto o
dinheiro quanto o consumo são também perceptíveis em sociedades
pré-capitalistas, como por exemplo, a sociedade escravista antiga.
O que define o modo de
produção capitalista é extração de mais-valor. Mas o que vem a ser isto? O modo
de produção capitalista é fundado na relação entre duas classes sociais, a
classe capitalista (dona das fábricas, minas etc.) e a classe operária ou
proletariado (aquela que só tem sua força de trabalho para vender no mercado).
Trata-se, portanto, de uma relação entre duas classes: o capitalista tem o
capital e o utiliza para comprar a única mercadoria que os trabalhadores tem,
sua capacidade de trabalhar, sua força de trabalho. O capitalista tem capital
(máquinas, matérias-primas etc.), o trabalhador tem sua capacidade de trabalho.
Ambos se encontram no mercado e o capitalista paga ao trabalhador um salário
que equivale ao valor da força de trabalho deste trabalhador. Este, por sua
vez, trabalha durante oito horas por dia, produzindo uma determinada mercadoria
(carro, salsicha, computadores etc.). O capitalista vende estas mercadorias,
pega o dinheiro obtido no mercado e retorna novamente à produção, comprando
mais matérias-primas, mais máquinas e mais trabalhadores, reiniciando todo o
processo novamente.
Vivemos assim, no
melhor dos mundos, onde todo mundo ganha. Certo? Errado.
Para que entendamos o
conceito de mais-valor, é necessário que compreendamos primeiramente o valor da
mercadoria. O valor da mercadoria não tem o sentido comum de preço. Esse valor
é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para se produzir
uma determinada mercadoria. Quanto maior o tempo gasto na produção de
determinada mercadoria, maior será também seu valor. Contudo, isto não quer
dizer que se um capitalista esperto mandar seus operários trabalharem mais
devagar, aumentando assim o tempo de trabalho, aumentará o valor de suas
mercadorias. O que conta é o tempo médio que o conjunto das fábricas que
produzem aquele artigo gasta e não esta ou aquela empresa individualmente
considerada, pois nas relações de distribuição, no mercado, há uma equalização.
Toda mercadoria (caixa
de fósforos, celulares, etc.) tem um valor, ou seja, foi gasto determinada
quantidade de minutos, horas ou dias para ser fabricada. Da mesma forma que
toda mercadoria tem um valor, também a força de trabalho, ou seja, a capacidade
de trabalhar dos trabalhadores é uma “mercadoria”. Como se mede seu valor? Da
mesma maneira que as demais, ou seja, medindo-se o tempo necessário para se
produzir a força de trabalho do trabalhador e de sua família. A soma de todos
os bens consumidos pela família trabalhadora (água, luz, alimentação, aluguel,
internet, etc.) forma o seu valor. Este valor é expresso num preço, o salário.
A ideia de salário mínimo é exatamente isto, ou seja, qual é o mínimo
necessário que em determinadas condições sociais é suficiente para o
trabalhador e sua família sobreviverem? O cálculo deste mínimo forma o valor da
força de trabalho, que pode coincidir com seu preço (o salário).
Assim, o capitalista
paga ao trabalhador o valor de sua força de trabalho, dando-lhe um salário que
é necessário à sobrevivência do trabalhador e de sua família. Novamente, o
nosso capitalista é uma pessoa interessante: dá emprego ao operário, paga-lhe o
valor de sua força de trabalho. Nada há a questionar nisto.
Contudo, o que se
observa é outra coisa. Saindo da mera aparência e procurando compreender a
essência da produção capitalista, descobrimos coisas insuspeitas. A nossa atual
jornada de trabalho é delimitada em forma de lei num total de 8 horas diárias.
Somando-se o nosso desenvolvimento tecnológico, o treinamento de nossa força de
trabalho, o estado de desenvolvimento científico, as matérias-primas
disponíveis etc. somos conduzidos a entender que o tempo de trabalho necessário
para um trabalhador específico reproduzir o valor de sua força de trabalho é de
aproximadamente 4 horas. Ou seja, se a classe operária trabalhasse somente 4
horas, ela já reproduziria o valor de sua força de trabalho (salário), o
desgaste das máquinas, as matérias-primas etc. Contudo, ela trabalha 4 horas a
mais. Estas 4 horas excedentes, o capitalista embolsa e não diz nada a ninguém.
Fica com as horas de trabalho materializadas em mercadorias as quais ele vende
no mercado. É forçoso dizer, portanto, que o trabalhador trabalha 4 horas para
si e quatro horas para o capitalista. As quatro horas que trabalha para si, ele
recebe um salário. As quatro horas que trabalha para o capitalista, ele não
recebe nada em troca. O trabalho excedente efetivado durante esse período é
chamado de mais-valor, ou seja, um valor a mais que o operário acrescentado às
mercadorias e que ele não recebe nada em troca. A produção capitalista é
fundada, pois, num roubo diário do trabalho da classe operária. O modo de produção capitalista é um modo de exploração de uma classe - burguesia - sobre outra - proletariado.
Há duas formas de se
extrair mais-valor: 1) prolongando a jornada de trabalho; 2) investindo no
desenvolvimento tecnológico e nas formas de organização e gerência do processo
de trabalho. A primeira, chamamos mais-valor absoluto, a segunda, mais-valor
relativo. Este procedimento é verificável no interior de qualquer unidade de
produção. Se somarmos todo o conjunto de mais-valor produzido em um determinado
país, digamos, por exemplo, em um ano, teremos assim o mais-valor global deste
país. O mais-valor global expressa o processo de exploração do conjunto da
classe operária de um determinado país. O mais-valor global é, depois de
produzido, realizado no mercado. Parte dele volta para o capitalista em forma
de lucros, outra parte vai para os bancos, outra para os comerciantes, outra
para os impostos, outra em renda fundiária para os latifundiários, outra para
os salários dos subalternos, burocratas, intelectuais etc. (sobre estas
classes, confira o texto de formação 2).
Quando se diz, portanto, que a base da pirâmide da produção de riquezas na
sociedade capitalista é o proletariado, é este sentido preciso da afirmação.
Assim, para finalizar,
a luta entre a classe capitalista e a classe operária é inevitável. Uma luta
para diminuir a extração de mais-valor, a outra luta para aumentá-la. Esta
disputa entre capitalistas e operários é verificada, por exemplo, na luta dos
trabalhadores para reduzir a jornada de trabalho, na luta que estes travam para
diminuir a velocidade das linhas de produção etc. Essa luta é complementada por
outra luta, que é quando o proletariado coloca em questão a própria relação com
a classe capitalista, a exploração, o mais-valor. É quando o proletariado luta
contra o capital para sua abolição e instauração de uma nova sociedade. Assim,
a luta de classes é, no capitalismo, inevitável. Destas formas assumidas pela
luta entre burguesia e proletariado trataremos nos próximos textos de formação.