Condições precárias de trabalho e estudo e
luta autônoma na UEG
É sabido que o papel fundamental do estado nas
sociedades modernas é assegurar as condições necessárias à acumulação de
capital e a consequente reprodução do capitalismo. Como parte disso, os
serviços públicos prestados aos trabalhadores, como é o caso da instrução
formal (educação institucionalizada), têm como finalidade garantir a reprodução
da força de trabalho disciplinada para o capital (empresários). Porém, mesmo se
beneficiando dessa atuação do estado, os capitalistas exigem da burocracia
estatal (dirigentes) a redução dos gastos com a prestação desses serviços. Ao
mesmo tempo, lutam pela diminuição de impostos e extinção dos direitos
trabalhistas. Assim, pretendem se apropriar de uma parte maior do mais-valor produzido
pelos trabalhadores. O neoliberalismo reforça essa postura dos capitalistas e legitima
o estado como serviçal do capital. Isto demonstra que o neoliberalismo é uma
ideologia, uma farsa, que serve para impor os reais interesses classistas da
burguesia às demais classes.
No Brasil, o sistema de educação mantido pelo
estado nunca contou com recursos financeiros suficientes para atender
satisfatoriamente as necessidades das instituições de ensino. Com a
implementação de medidas neoliberais pelos governos, essa defasagem tende a aumentar.
A situação precária das condições de trabalho e de estudo nas instituições estatais
de educação se torna mais aguda, à medida que expandem a oferta de vagas sem a
devida garantia de recursos para a sua manutenção. Os impactos negativos da
insuficiência dos recursos são imediatos, gerando resultados altamente
insatisfatórios na formação das novas gerações. Os principais atingidos são os
filhos dos trabalhadores.
Nas instituições universitárias, os cortes de recursos
financeiros limitam a realização de pesquisas, bem assim a construção e manutenção
de estruturas físicas adequadas ao ensino (salas de aula, biblioteca,
laboratórios, auditório etc.); reduzem ou impedem o pagamento de bolsas de
estudos para os estudantes das classes trabalhadoras; impossibilitam a realização
de concursos públicos para a contratação de professores e funcionários; inviabilizam
o pagamento de salários condizentes com as necessidades humanas e profissionais
desses trabalhadores, mantendo elevada a defasagem salarial. De modo geral, os
recursos financeiros retirados da educação e demais serviços públicos são apropriados
por setores do capital e pela burocracia estatal (dirigentes do estado).
Criada há 20 anos por um governo neoliberal, a
Universidade Estadual de Goiás tem sido atingida, cotidianamente, por medidas
de redução de custos que tornam crônicas as suas carências mais elementares. O
art. 158, inciso I, da constituição estadual prevê a aplicação de 2% da receita
anual do estado na UEG. Todavia, além desses recursos serem insuficientes,
raramente são aplicados integralmente na instituição. Dada a quantidade de
unidades acadêmicas (42 câmpus), de cursos e de alunos (de graduação e
pós-graduação), o valor dos recursos financeiros previstos constitucionalmente
deveria ser pelo menos o dobro do atual. Quando de sua criação em 1999, a UEG,
que foi formada a partir da Universidade Estadual de Anápolis (UNIANA) e de 12
faculdades estaduais autárquicas, possuía 17 unidades. Sete anos depois passou
a contar com 42 câmpus, sem a devida ampliação dos recursos financeiros para o
seu desenvolvimento e manutenção. Essa expansão irracional com motivação
eleitoral foi imposta pelos sucessivos governos comandados por Marconi Perillo,
do Partido da Socialdemocracia Brasileira (PSDB).
A situação precária das condições de estudo e
de trabalho tem sido agravada pela dependência da UEG em relação aos interesses
dos governantes estaduais. A lei que deveria assegurar a sua autonomia (didático-científica,
administrativa, de gestão financeira e patrimonial) é uma obra de ficção
(lei estadual nº 18.971/2015). Não bastasse o
controle financeiro, o governo intervém nas relações internas da UEG,
patrocinando politicamente candidatos a reitor da instituição, além de impor
seus correligionários aos cargos de pró-reitor. A partir de 2012, a
interferência política do governador foi legalizada por meio do decreto que
estabeleceu a lista tríplice para a nomeação do reitor. Contando com a conivência
do então interventor, Haroldo Reimer, e com a indisposição dos professores,
estudantes e funcionários administrativos para resistirem, o governador passou
a deter a prerrogativa de nomear o reitor entre os três candidatos mais votados,
restringindo assim a já limitada possibilidade de uma gestão autônoma. Essa
dependência dos reitores em relação ao governo tem refletido na implantação de
medidas impostas à instituição em detrimento das necessidades da comunidade
universitária. Adicionalmente, os problemas da UEG têm sido agravados pelas
denúncias de apropriação indevida de parte dos seus recursos por indivíduos
vinculados à reitoria, inclusive pelos reitores. Portanto, se, de um lado, o
governo restringe os recursos financeiros destinados à instituição, de outro,
as denúncias apontam que a burocracia interna (reitoria) toma para si uma parte
deles. O que resta de tudo isso? Uma universidade em condições de funcionamento
sempre precárias.
Neste ano de 2019, a comunidade universitária
da UEG passa por uma situação mais crítica do que a habitual. Os professores e
funcionários técnicos administrativos ainda não receberam seu salário de
dezembro de 2018; vários alunos bolsistas não recebem os valores
correspondentes às bolas desde novembro último. Além disso, segundo os
dirigentes da instituição, não há recursos para o pagamento do seguro
obrigatório para os alunos estagiários realizarem o estágio. Estas questões,
juntamente com diversos outros problemas que afetam a UEG, como inadequações no
plano de carreira dos funcionários técnico-administrativos; falta de recursos
materiais de uso diário nos câmpus (papel etc.); cancelamento de licenças para
qualificação de professores (mestrado e doutorado); baixo valor e número insuficiente
de bolsas para os estudantes; falta de recursos para o transporte e pagamento
de diárias para funcionários que viajam a serviço da instituição; cortes de
verbas para realização de eventos acadêmicos; inexistência de auditórios em
diversos câmpus; ausência de restaurantes universitários e casa de estudantes, entre
outras carências, ameaçam tornar a Universidade inviável.
Diante dessa crônica precariedade, a comunidade
universitária da UEG tem se mobilizado para denunciar a irresponsabilidade do
governo estadual e exigir as medidas necessárias à sua superação. Com esse
propósito, professores, funcionários administrativos e estudantes formaram um
movimento autônomo unificado não burocrático – UEG em Movimento –, apesar das oposições
a esse tipo de organização, principalmente da parte de professores, que insistem
em defender a organização institucionalizada corporativa (sindicato,
associações).
É necessário registrar que outros movimentos
autônomos e não burocráticos (sem a separação e hierarquização entre dirigentes
e dirigidos) já foram criados espontaneamente na UEG. Na realidade, desde a sua
criação, as lutas de professores e estudantes têm sido feitas de forma
espontânea e auto-organizada, às vezes, contra associações sindicais e DCE,
mais precisamente, a partir de 2006.
Em abril daquele ano, diante da inoperância das
entidades sindicais de professores e funcionários e do atrelamento dos
dirigentes das entidades estudantis ao governo e à reitoria, um pequeno grupo
de professores do câmpus de Ciências Socioeconômicas e Humanas em Anápolis criou
um fórum com a finalidade de formular e discutir propostas para a consolidação
da UEG. Tratava-se do Fórum de Defesa da UEG. Com reduzida efetividade, enquanto
coletivo de elaboração e discussão, o Fórum se transformou definitivamente em
movimento social, a partir da primeira interdição da reitoria da instituição, iniciada
no dia 14 de novembro de 2006. Essa ocupação do prédio foi motivada pela
tentativa do ex-reitor, José Izecias de Oliveira, de retornar ao cargo de
reitor após ter sido exonerado para se candidatar a deputado federal. Após dez
dias de interdição, o ex-reitor, finalmente, desistiu de reassumir o cargo. A ocupação
foi encerrada mediante assinatura de um documento pelo então vice-reitor, Luiz
Antônio Arantes, ex-aliado de José Izecias, comprometendo-se a atender oito
reivindicações dos participantes do movimento.
Essa primeira interdição da reitoria foi uma
ação unificada de estudantes, professores e funcionários administrativos,
contando com a oposição dos dirigentes da associação sindical (Associação dos
Docentes da UEG – ADUEG). Diante do não atendimento da maioria dos pontos do
acordo, os participantes do Fórum decidiram realizar uma greve com acampamento
no coreto da praça cívica em Goiânia. A paralisação durou 34 dias, de 24/03 a
25/04 de 2007, e o acampamento 30 dias (27/03-25/04/2007). Essa greve se
encerrou após o compromisso do então governador, Alcides Rodrigues, de
autorizar a realização de concurso público para a contratação de 475
professores. Cabe ressaltar que essa quantidade de vagas foi estabelecida pelos
próprios integrantes do movimento, mas o concurso só foi realizado em 2010. A
partir de 2011, o Fórum de Defesa da UEG entrou em declínio, vindo a
desaparecer no início de 2012, após a nomeação de Haroldo Reimer como
interventor da UEG.
A forma de organização não burocrática do
Fórum de Defesa da UEG, com a participação dos estudantes em condição de
igualdade política com os professores (nas reuniões e assembleias
deliberativas, o voto de cada estudante tinha o mesmo peso do voto dos
professores e funcionários), motivou a oposição de alguns professores
conservadores. Primeiro, não admitiam a informalidade do movimento, sem uma
diretoria permanente controlada por professores, e a participação igualitária
dos estudantes nas deliberações. Dado que, geralmente, adotavam posições conservadoras,
temiam ser derrotados pelos estudantes. O conflito se tornou explícito num
episódio durante a greve de 2007. Numa assembleia, realizada após três semanas
de paralisação, um pequeno grupo de professores defendeu o fim da greve, mas a
grande maioria dos estudantes e parte dos professores votaram pela continuidade
do movimento. A greve foi mantida. Os professores derrotados se enfureceram,
provocaram um tumulto na tentativa de inviabilizar a continuidade da greve, sem
sucesso.
Um novo movimento espontâneo e autônomo, herdeiro da experiência do
Fórum de Defesa da UEG, foi formado no dia 20 de fevereiro de 2013. Iniciado
por professores, logo recebeu a adesão de estudantes e, em seguida, de
funcionários administrativos. Trata-se do Movimento Mobiliza UEG. A intenção
dos seus iniciadores era que as duas últimas categorias só passassem a
integrá-lo se concordassem com seus princípios e possuíssem uma pauta de luta
própria. A discussão sobre esses pontos não foi realizada conforme planejada. Os
participantes mais ativos do movimento propuseram a adoção dos seguintes
princípios: auto-organização; igualdade
política entre os participantes; independência política e financeira (autofinanciamento); ação direta; unidade de
propósitos e de ação.
No dia 25 de abril de 2013, uma assembleia
composta por esmagadora maioria de estudantes integrados ao Mobiliza UEG, com a
participação de professores e alguns técnicos administrativos, decidiu iniciar
uma greve, tendo uma pauta de reivindicações composta por dez pontos. A
assembleia foi realizada no câmpus ESEFFEGO. A partir de então, o movimento se
expandiu, contando com a adesão de 14 câmpus, mas nem todos tendo participado
da greve durante os 89 dias que durou a paralisação. A greve foi encerrada
mediante assinatura de um acordo entre representantes do movimento e o reitor
da UEG, no dia 24 de julho do mesmo ano. Essa foi a greve mais longa e com
maior participação nestes 20 anos de existência da UEG. As principais
conquistas foram: aprovação da reformulação do plano de carreira dos
professores pela Assembleia Legislativa, transformando a gratificação de
dedicação exclusiva em adicional salarial permanente; reposição salarial com
aumento real superior a 4%, só efetuada muito depois do prazo acordado; aumento
da quantidade de bolsas estudantis e unificação do valor em 400 reais. Essa
greve, além dos conflitos entre professores sobre estratégias de luta e entre
estes e o grupo hegemônico de alunos, que defendeu negociação com o reitor em
vez da pressão direta sobre o governo pela ampliação do financiamento da UEG,
na proporção necessária à implementação de uma política de assistência
estudantil satisfatória, contou com uma dissensão comandada por lideranças dos
funcionários administrativos, que, a partir de determinado momento, passaram a
negociar em separado com o reitor, nada tendo conseguido de concreto. Esse fato
ficou caracterizado como traição política aos demais integrantes do movimento. Após
o término da greve de 2013, o Movimento Mobiliza UEG declinou, tornando-se
inativo pelo imobilismo da grande maioria dos seus participantes.
Em certa medida, o UEG em Movimento, embora
mais limitado e menos coeso do que os anteriores, é fruto dessas experiências
de auto-organização. Surgido de um protesto de professores e funcionários
administrativos contra o atraso do pagamento do salário de dezembro de 2018,
esse movimento passou a contar com a adesão espontânea de estudantes antes
mesmo de iniciar o ano letivo de 2019. Adota tacitamente alguns princípios de
auto-organização: funciona pela iniciativa direta dos seus participantes,
mantém autonomia política e financeira em relação às instituições do estado e a
outras organizações burocráticas (partidos, sindicatos, instituições religiosas
etc.), as deliberações em assembleias nem sempre são unificadas, os
encaminhamentos são efetivados por comissões executivas sem mandato fixo e
criadas de acordo com as necessidades do coletivo, o voto é igualitário para
todos os participantes, dentre outros. O principal obstáculo ao avanço do
movimento tem sido a resistência de parte dos professores à unificação do
movimento, aprofundando a divisão política entre grupos da própria categoria
que vem de mobilizações anteriores. Sendo minoria em relação aos estudantes, os
professores separatistas não admitem que as assembleias deliberativas sejam
realizadas de forma unificada. Argumentam, principalmente, que ambas as
categorias estão em condições distintas em relação à universidade e possuem
responsabilidades diversas. Isto inviabilizou a adesão do câmpus de CSEH à
greve aprovada por uma assembleia geral no dia 12 de março, realizada no câmpus
do Parque das Laranjeiras em Goiânia. Até o momento, a paralisação está
restrita a quatro câmpus, tenho sido iniciada nas cidades de Itapuranga,
Itumbiara e Uruaçu, com posterior adesão do câmpus ESEFFEGO. Em outros câmpus
houve e continuam ocorrendo mobilização, mas sem luta concreta. A expectativa
da expansão e fortalecimento do movimento ainda se mantém, embora cada vez mais
reduzida, à medida que o tempo passa e o desânimo dos grevistas aumenta,
principalmente diante do reduzido poder de pressão sobre o governo, que, até o
momento, resiste a atender as reivindicações a ele apresentadas, a partir do
dia 20 de fevereiro. Até aquela data, reivindicava-se, basicamente, o pagamento
dos salários de dezembro de 2018 e a quitação das bolsas estudantis devidas
desde novembro daquele ano. A partir da assembleia geral que aprovou a greve no
dia 12 de março, a pauta de luta unificada passou a contar com as seguintes
reivindicações:
1. Quitação imediata dos salários de dezembro de 2018 de
todos os professores e técnico-administrativos e das bolsas estudantis
atrasadas desde novembro de 2018.
2. Reposição salarial para os Docentes e Técnicos
Administrativos (temporários e efetivos).
3. Destinação de 5% da receita líquida do estado somente
para a UEG.
4. Ampliação imediata das vagas para docentes do quadro
efetivo com titulação de mestres, doutores e pós-doutores (Lei n° 18.078/2013).
5. Realização de concursos públicos de provas e títulos
para Docentes e Técnicos Administrativos para preenchimento de todas as vagas
existentes no quadro da UEG.
6. Implementação do auxílio alimentação para todos os
docentes e técnicos administrativos, independentemente do valor dos seus
vencimentos.
7. Estabelecimento do valor das bolsas destinadas aos
alunos dos cursos de graduação em três quartos (75%) do valor do salário
mínimo.
8. Inclusão do adicional salarial por titulação e Progressão Automática no
plano de carreira dos técnico-administrativos.
9. Inclusão de todos os docentes interessados no Regime
de Trabalho Integral Dedicado à Pesquisa, ensino, extensão e gestão (RTIDP).
10. Revogação da resolução CsU 01/2015 (atual 846/2015) e
restabelecimento da resolução CsA n° 164/2009 (atual 524/2009).
11. Disponibilização de licenças integrais para
qualificação de mestrado, doutorado e pós-doutorado para docentes e técnicos
administrativos, independentemente da distância geográfica da instituição que
oferece o programa.
12. Ampliação da oferta de bolsas nas modalidades de
extensão, monitoria, permanência e PIBIC/UEG e manutenção das bolsas próprias
da UEG destinadas aos pós-graduandos dos programas stricto sensu.
13. Restabelecimento do pagamento integral do seguro de
vida pela UEG para a realização do estágio supervisionado obrigatório pelos
alunos dos cursos de graduação.
14. Paridade entre a quantidade de membros natos e de representantes
docentes, técnicos administrativos e discentes nos conselhos deliberativos da
UEG (Art. 10 do Decreto estadual nº 7.441, de 08 de setembro de 2011).
As oito primeiras reivindicações foram
apresentadas ao governo, enquanto as demais e a de número 4 foram encaminhadas
ao reitor da UEG. Julgou-se necessário fazer essa divisão, devido às diferenças
de responsabilidades entre governo e reitoria, quanto ao atendimento das
diferentes demandas.
Os câmpus em greve vêm realizando assembleias
semanais, manifestações públicas, debates, oficinas, entre outros atos
políticos. Em termos de mobilização, a conjuntura parece motivadora, indicando
a possibilidade de avanço das lutas sociais na UEG. Mas é necessária uma
reflexão mais cuidadosa sobre o movimento reivindicatório que vem sendo realizado
nesta instituição. Sobre isso, apontamos aqui três questões fundamentais: 1) O
que objetiva um movimento reivindicatório? 2) Qual a contribuição da greve
instituída na UEG? 3) Qual a alternativa para sair do estado precário que esta
e outras universidades públicas do Brasil se encontram? Vejamos com mais
detalhes cada uma dessas questões.
O movimento reivindicatório, como o próprio
nome diz, é pautado por reivindicações específicas. Surge a partir de
necessidades imediatas como o atraso do pagamento dos salários ou defasagem salarial,
melhores condições de trabalho, redução da jornada de trabalho, etc. A lista de
reivindicações dos grevistas da UEG, como pode ser constatada, gira em torno de
questões diretamente ligadas a professores, técnicos administrativos e
estudantes. Isto significa que a razão de ser de um movimento reivindicatório se
restringe a necessidades de curto prazo, embora de consequências duradouras.
Na maioria dos casos, historicamente, os movimentos
reivindicatórios têm surgido pautados por esse objetivo, e uma vez que as
reivindicações são atendidas, parcial ou integralmente, eles se desfazem,
podendo deixar ou não bases mais ou menos duradouras para iniciativas coletivas
futuras. Com isso os envolvidos em tais movimentos voltam às suas atividades
normais, às relações de trabalho instituídas. As mudanças que decorrem daí
servem como adorno e motivadoras para os trabalhadores continuarem a trabalhar
como antes. Não há alterações essenciais nas relações de trabalho, pelo
contrário, tem havido o seu fortalecimento. As relações de dominação e
exploração ganham um novo fôlego, o que quer dizer que se mantêm o modo de
produção existente, as classes sociais, o estado e tudo que deriva daí.
Dito isto, podemos passar para a segunda
questão sobre a contribuição da greve, que, levada a cabo por um movimento
reivindicatório, contribui para fortalecer a burocracia e a democracia
burguesa. Isso acontece porque não coloca em questão a existência da
burocracia, principalmente do estado; os participantes do movimento, com raras
exceções, nem mesmo evidenciam as relações sociais estabelecidas pelo modo de produção
capitalista, que geram a sua situação de classe desprivilegiada. Isto ocorre
mesmo quando as greves são espontâneas e autônomas. Quando realizadas sob o
comando de organizações burocratizadas, a exemplo dos sindicatos, o alcance das
greves é mais limitado. A burocracia sindical (dirigentes) toma para si a
responsabilidade de negociar com os patrões e o estado as reivindicações
levantadas pelos trabalhadores. As negociações são realizadas a portas fechadas,
enquanto os trabalhadores esperam pela resposta de seus dirigentes. Na maioria
dos casos, as greves chegam ao fim após as negociações.
Os sindicatos, nesse processo, tornam-se
importantes instrumentos de limitação da luta dos trabalhadores, pois evitam
que estes mantenham contato direto com os empregadores. Uma vez atendidas as
reivindicações, os sindicatos se fortalecem, pois reforçam a concepção de que
são indispensáveis para os trabalhadores. O problema é que os sindicatos não
preveem o fim das relações de dominação e de exploração. O seu papel passou a
ser justamente o de contribuir para que estas permaneçam intactas. É por isso
que a burocracia sindical sempre se coloca à frente das negociações e, de forma
autoritária, toma para si o controle dos grevistas.
Mas há na greve, levada a cabo por movimentos
reivindicatórios, outro elemento que vai além de sua contribuição para o
fortalecimento da burocracia e para a reprodução do modo de produção capitalista.
Aqui é necessária uma reflexão sobre o processo educativo que aponta para a
necessidade da auto-organização. Todo movimento reivindicatório limita sua luta
às pautas levantadas, obviamente. Porém, uma vez instituída uma greve, ocorre
simultaneamente um processo em que os grevistas são constrangidos a pensar por
si os rumos de sua luta. É neste momento que surgem diversas tendências de
avanço para uma luta que ultrapasse o movimento reivindicatório.
Um primeiro ponto a destacar é que as
estratégias de controle utilizadas pelas organizações burocráticas tornam-se
evidentes. Os conchavos da burocracia sindical com o estado e os patrões, por
exemplo, são escancarados. Os trabalhadores percebem finalmente que os
sindicatos atuam para favorecer os seus inimigos de classe. Outras burocracias
também mostram a quem servem e fazem diversas tentativas de desmobilizar os
grevistas e limitarem sua luta, sempre no sentido de manter a ordem social
classista e forçá-los a retornar ao trabalho, ou seja, retornar à sua condição
de explorados submissos. É justamente no momento de greve que os trabalhadores
percebem que os sindicatos e diversas frações da burocracia não estão do seu
lado e devem ser combatidos. Neste contexto, os trabalhadores colocam para si a
necessidade de pensar a sua própria forma de se organizar. Sabem que não podem
contar com os sindicatos e nem mesmo com qualquer outra burocracia. É quando
começam a se auto organizar.
Uma primeira atitude neste processo de
auto-organização é romper com as organizações burocráticas, principalmente os
sindicatos, e tomar para si o controle de sua própria luta. Descobrem que é
possível lutar sem essas organizações burocratizadas e descobrem também que se
tornam mais fortes, mais unidos, e conseguem estabelecer uma pressão mais forte
e intensa sobre seus empregadores. Começa daí a avançar na luta e também a favorecer
o avanço de sua consciência, pois, agora, conseguem perceber que não precisam
delegar a ninguém o controle de sua luta, uma vez que podem fazer isso por si
mesmos. Assim, se, de um lado, a greve levada a cabo pelo movimento
reivindicatório favorece o fortalecimento da burocracia, por outro, ela também
pode abrir espaço para a sua crítica, para o avanço da luta para além das
reivindicações.
Por fim, resta ainda discutir a terceira
questão apontada anteriormente, qual seja, qual a alternativa para sair do
estado precário que esta e outras universidades públicas do Brasil se
encontram? A alternativa apresentada pela Associação Nacional dos Trabalhadores
– ANT –, considerando a história do modo de produção capitalista e as diversas
experiências de luta do proletariado, é a abolição do capitalismo e a
instituição da autogestão social.
A questão é que o capitalismo é uma sociedade
fundada em relações de exploração e de dominação. Como sociedade de classes,
enquanto existir, haverá uma pequena parcela da população vivendo às custas dos
trabalhadores produtivos. As universidades, nesta sociedade, assim como a
educação institucionalizada em geral, tornam-se uma ferramenta importante para
a manutenção da própria sociedade. Por isso, o estado mantém o controle sobre o
que ensinam. Isso também explica as medidas que o estado vem tomando para
sucatear as universidades públicas e favorecer a sua privatização. O objetivo é
fortalecer o capitalismo, de um lado, formando força de trabalho e inculcando a
ideologia burguesa, de outro, entregando as instituições de ensino às
iniciativas privadas. Portanto, não resta outra alternativa para a resolução
dos problemas universitários, a não ser colocar como pauta de luta a abolição
do capitalismo, o que levará a uma transformação radical das atuais formas
institucionalizadas de educar.
Esta pauta deve ser acompanhada de outra, qual
seja, a instituição da autogestão social, concebida como um projeto de
sociedade instituído pelo proletariado. É uma sociedade em que a sua organização
é realizada pelos próprios produtores, que são os trabalhadores na sociedade
capitalista, o que quer dizer que não há estado nem as diversas frações da
burocracia, que atuam para realizar os próprios interesses e os da classe
dominante. O processo de instituição da autogestão é iniciado no interior do
próprio capitalismo, a partir de lutas autogeridas. Nesse processo, a forma de
organização deve negar a burocracia e pautar pela auto-organização. A
autogestão social deve ser colocada como objetivo da luta e nunca ser escamoteada.
Isso favorece o desenvolvimento de movimentos cada vez mais radicalizados que
vislumbrem uma sociedade distinta da atual, onde prevalece a miséria material, psíquica
e cultural.
Nesse sentido, a luta por reivindicações pode
avançar e ir para além das reivindicações, vislumbrando assim, a sua
transformação em luta pela transformação social, pela efetivação da emancipação
humana. Mas é necessário que a luta pela autogestão social coloque como objetivo
contribuir com a radicalização da luta dos trabalhadores. Um exemplo disso é o
Maio de 1968, movimento que foi iniciado no interior da universidade, mas que,
ao receber o apoio da classe operária, particularmente na França, tomou outra
proporção e se radicalizou. A radicalização da luta operária cria a
possibilidade de transformação social e pode colocar a autogestão social como o
objetivo da luta.
Considerando estas reflexões é que podemos,
finalmente, fazer uma análise da greve instituída na UEG. A greve é levada a
cabo por um movimento reivindicatório, logo, o seu objetivo é que o governo e a
reitoria atendam as reivindicações levantadas por docentes, técnicos administrativos
e estudantes. Não há neste movimento uma crítica declarada à existência do
estado nem mesmo à existência da burocracia que gere a instituição, a reitoria.
Portanto, não há uma crítica à sociedade capitalista. O que está mais em
evidência é uma crítica ao indivíduo que está no poder do estado e ao indivíduo
que ocupa o cargo de reitor. Aparentemente, está prevalecendo uma concepção de
que é necessário substituir quem está no poder. Nesse sentido, o estado e o
modo de produção capitalista não estão no foco da luta.
Considerando estes pontos, pode-se concluir
que o movimento de greve da UEG não tem como pauta avançar para além do estado
e do capitalismo. Suas reivindicações dizem respeito a problemas específicos da
universidade. O seu fim é previsto, pois basta o estado ou a reitoria abrir um
espaço para negociações e propor efetivá-las para que o movimento se encerre. O
projeto de sociedade elaborado pela classe operária nem mesmo é citado pelos
grevistas, o que demonstra a limitação desta luta. O que objetivam é atender a
interesses de uma categoria específica. E, nesse ínterim, a emancipação humana
não aparece como objetivo final.
Por outro lado, no entanto, a greve na UEG vem
expressando críticas pontuais, embora em pequeno número, à burocracia. Vem, ora
ou outra, manifestando uma concepção da necessidade de instituir uma forma de
organização da gestão universitária que seja levada a cabo pela comunidade
acadêmica sem a necessidade da burocracia, isto é, da reitoria. Esta crítica
vem sendo apresentada na forma que até o presente momento os grevistas vêm se
organizando. Ao mesmo tempo se aproxima da forma de organização criada pela
classe operária.
Os quatro câmpus em greve têm se organizado de
forma autônoma em relação à burocracia. Está havendo uma participação ativa e
igualitária de estudantes e professores nas assembleias, assim como nas
proposições e deliberações. Está havendo, na prática, o exercício da
auto-organização. Na medida em que se auto-organizam, a greve assume caráter
formativo para a emancipação humana, no sentido de esboçar lutas sociais que
podem se ampliar no futuro. Assim, esta greve vem fornecendo aos trabalhadores
e estudantes da UEG elementos para aprofundar a crítica social e desenvolver estratégias
mais avançadas de luta que apontem para a autogestão social. Há, neste ponto, a
necessidade de associar esta luta pontual por reivindicações à luta mais ampla
da classe operária, questão que ainda não foi cogitada.
Nesse sentido, é possível considerar que lutas
reivindicativas podem constituir-se em ações estratégicas na luta pela superação
da sociedade fundada em relações de exploração, desde que estas avancem e
comecem a colocar como objetivo a efetivação do projeto de sociedade elaborado
e desenvolvido pelo proletariado. Desta forma, momentos de greve como estes
podem contribuir para o desenvolvimento de uma consciência revolucionária,
favorecendo o movimento de luta pela derrocada da sociedade capitalista!
Goiânia, 7 de abril de 2019
Associação Nacional dos Trabalhadores
Núcleo UEG